quinta-feira, 6 de junho de 2013

Documentos sobre as condições de saúde nas Minas

 Como muitos outros portugueses, o cirurgião Luis Gomes Ferreira foi atraído pelas descobertas auríferas no início do século XVIII. É interessante ressaltar para nossa análise uma de suas primeiras constatações sobre a carência de agentes oficiais de cura na região. "Em tantas e tão remotas partes que hoje estão povoadas nestas Minas, aonde não chegam médicos, nem ainda cirurgiões que professem Cirurgia, por cuja causa padecem os povos grandes necessidades." p. 184.


Ferreira publicou o primeiro livro sobre saúde e doenças na capitania do ouro em 1735. O Erário Mineral fornece dados importantes para pensarmos a insalubridade do clima e as péssimas condições de trabalho na região das Minas. Sua obra é marcada pela empiria dos casos que assistia e está recheado de descrições das diversas mazelas que acometiam a população mineira e do arsenal de medicamentos de que dispunham para a cura.  Segundo o autor, tanto escravos negros quanto faiscadores brancos enfrentavam péssimas condições de trabalho "porque uns habitam dentro da água, como são os mineiros que mineram nas partes baixas da terra e veios dela, outros feitos toupeiras, minerando por baixo da terra, uns em altura, de fundo, cinqüenta, oitenta e mais de cem palmos, outros pelo comprimento em estradas subterrâneas muitos mais, que muitas vezes chegam a seiscentos e a setecentos; lá trabalham, lá comem e lá dormem muitas vezes, e como estes, quando trabalham, andam banhados em suor, com os pés sempre em terra fria, pedras ou água, e, quando descansam ou comem, se lhes constipam os poros e se resfriam de tal modo que daí se lhes originam várias enfermidades perigosas, como são pleurises apertadíssimas, estupores, paralisias, convulsões, peripneumonias e outras muitas doenças..."  FERREIRA, Luis Gomes. (ORG. Júnia Ferreira Furtado) Erário Mineral. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. p. 229-230.

A carência de agentes oficiais de cura era generalizada não só na Capitania das Minas Gerais como em toda a Colônia. Uma das principais causas dessa carência era o baixo valor oferecido pela Coroa portuguesa aos médicos e cirurgiões. 

As boticas chegavam com muito custo às serras mineiras depois de uma longa travessia marítima o que comprometia sua eficácia. O próprio Luis Gomes Ferreira incorporou diversas ervas e plantas locais ao seu acervo herbário. 

A falta de médicos, cirurgiões e boticários na Capitania estimulou a proliferação de um leque variado de curas domésticas: mezinheiros, parteiras, feiticeiros e benzedores compunham . Muitas vezes, estes agentes foram valorizados em detrimento da medicina oficial da época como endossa a observação de Frei Caetano Brandão, bispo do Pará: “É melhor tratar-se com um tapuia do  sertão, que observa com mais desembaraçado instinto, do que com médico de Lisboa." 
Henrique Carneiro destaca "o uso do tabaco para o tratamento das infecções tópicas, para constatarmos que, de fato, o “empirismo” indígena não apenas emulava, mas verdadeiramente superava o suposto “racionalismo” da medicina européia, eivada, na verdade, de tratamentos mágicos,  agressivos e debilitantes." CARNEIRO, Henrique. Fronteiras, Dourados, MS, v. 13, n. 23, p. 13-32, jan./jun. 2011. p. 25-26.

Carl von Martius desprezou as técnicas de cura indígenas por serem provenientes de uma "raça degenerada". Segundo este autor, as práticas médicas ameríndias derivavam de  “fenômenos  pertencentes à esfera de superstições de virtudes curativas de taumaturgos  índios, feiticeiros e curandeiros” MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a História do Brasil. Revista  do IHGB, Rio de Janeiro, 6 (24): 389 – 411, jan. 1845, p. 6. Disponível em: . (Martius, 1983:93).


A dinâmica da intrincamento entre culturas locais ou regionais e os processos de choque cultural desencadeados com o descobrimento, é uma questão cara para a história, em que a atribuição das parcelas que cabem a cada cultura na formação de um resultado híbrido e miscigenado não é uma tarefa fácil devido
ao imbricamento e fusão das diversas fontes. A questão se torna ainda mais complicada quando nos deparamos com a incrível diversidade africana

"Novas cores eram forjadas pela sociedade colonial e por ela apropriadas para designar grupos diferentes de pessoas, para indicar hierarquização das relações sociais, para impor a diferença dentro de um mundo cada vez mais mestiço. Da cor da pele à dos panos que a escondia ou a valorizava até a pluralidade multicor das ruas coloniais, reflexo de conhecimentos migrantes, aplicados à matéria vegetal, mineral, animal e cultural." p. 36. PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais 1716-1789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

Delimitar até que ponto



Nessa perspectiva, o eurocentrismo se desloca e a América se posiciona como centro do qual ideias, ritos e processos se conectam e se intercruzam. As caravelas e os navios negreiros, que cortavam incessantemente o Atlântico, transportavam não só pessoas e mercadorias, mas também perspectivas, medos, doenças, rituais tanto da  cultura européia quanto de diversas regiões da África. Na Colônia,
suas marcas na própria cultura do colonizador. Os

De acordo com Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, a “medicina da alma” deveria ser ministrada por clérigos ou integrantes do clero secular, amparados pelo bispado para direcionar a limpeza e expiação dos elementos heterodoxos e diabólicos, enquanto aos físicos, boticários e cirurgiões caberia empregar seus conhecimentos para amenizar os sofrimentos do corpo. É importante ressaltar a submissão da cura do corpo aos procedimentos para a salvação da alma.


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