quarta-feira, 12 de junho de 2013

Receberam oitavas de ouro ou outros bens por seus serviços

Oitavas de Ouro

e tirara um guizo de uma algibeira ou bolso e metendo em um dedo começara a cantar e
tocar em uma faca grande com um ferro e a dizer para a laranja = Irmão, vamos desenterrar
aquelas batatinhas, fazendo uma cruz [ileg.], com o dedo, fora a dita laranja conduzindo por
força e quase a rastos ao negro que a tinha na mão, passando várias casas, até o quarto em
que ele denunciante dormia e a dita sua mulher, e aí em um canto da cabeceira da mesma
cama começara aí a dar voltas e fazer grandes [ileg.], e extraordinários, como fazendo
também cruz, e então o denunciado dissera à dita laranja que levasse para trás chamandolhe
Irmão; e o que tinha a dita laranja sem ser senhor de si fora para [ileg.] trás a impulsos
delas sobrenaturais, chegara a um canto da parede e aí fazendo grande força como
mostrando que havia alguma coisa, dissera o dito denunciado que se rompesse a parede, e
rompendo-se um [ileg.], dentro se acharam vários cabelos, uma unha e um bocado de
caveira e várias raízes (...).
No dia seguinte, tendo chegado o seu búzio, repetiu os mesmos procedimentos, colocando o
objeto na mão de uma mulata forra chamada Ana, e se encontraram mais cabelos e imundícies
no fogão da cozinha e no colchão e almofadas do quarto. Mateus ainda prenunciou que logo
apareceriam no terreiro da casa um veado com três pontas e uma onça parda sem cauda, e que
esta levaria a mulher e um filho de Gregório. O negro pedira oito oitavas de ouro ao capitãomor
para livrá-los de tão graves perigos. O denunciante ainda informa que vira o búzio beber
duas vezes de uma porção de água ardente colocada em um prato pelo feiticeiro.
ANTT, IL, Caderno do Promotor 113, Livro 305, fl. 117.

O negro José Soares Cubas, já mencionado aqui, recebeu a quantia
de vinte e duas oitavas de ouro para curar um escravo de Antônio da Silva Costa na freguesia
de Morro Grande, o que não se cumpriu, já que o cativo acabou morrendo.213
AEAM, Devassas Z-8 [1756-1757], fl. 197-197v.

Pai Inácio - Segundo uma testemunha, Inácio curava com ervas e curiosidades
aprendidas [em] sua terra. À enferma Quitéria, escrava de Mateus Gomes da Cunha, aplicara
nos seus olhos uma untura de ervas picadas, fazendo-a botar bichos e ossos, após o que ficou
curada. Com remédios purgantes, que fazia em sua casa ocultamente, quis, sem sucesso, curar
de feitiços a mulher do oficial de ferreiro João Francisco dos Santos, que lhe pagou adiantado
a quantia de dezesseis oitavas de ouro.AEAM, Devassas Z-10 [1764-1765], fl. 99v, 106-106v, 108v, 116v-117, 118-118v.

Recorrer à práticas sobrenaturais foi a solução encontrada pelos habitantes do sítio de
Trepuí, em Vila Rica, por volta do ano de 1755. Assombrados com acontecimentos estranhos,
os moradores do sítio andavam com a suspeita de que algo maléfico os perseguiam à noite,
motivo que chegou a ocasionar a mudança de algumas famílias. Tendo grande prejuízo, o
alferes Antônio Dias Soares resolveu chamar uns oradores para benzer e exorcizar o local.
Falhando os exorcismos e bênçãos, aconselharam-no a procurar um negro adivinhador de
Antônio Dias, chamado José. Chegando a casa do suplicante e sendo informado sobre as
queixas dos moradores,
o dito negro entrou a pedir o que se lhe havia de dar, pedindo seis oitavas e logo pediu um
prato deitando-lhe água e fazendo-lhe umas cruzes e dizendo umas palavras pela sua língua
e logo (...) o suplicante ouviu uma voz fina, sem ser do dito negro nem de fora da casa, que
o suplicante não entendeu o que ela dizia e o dito negro disse ao suplicante que a dita voz
pedia para ele seis oitavas e o suplicante lhas deu e logo o dito negro disse ao suplicante
que fizesse uma cruz de pau e que nela metesse uma imagem de Santo Antônio e que a
pusesse no terreiro encostada a uma parede ao alto, o que o suplicante fez.
Depois o dito negro esfregou umas ervas com outras raízes e com dois paus roliços e os
amarrou com um cordel dentro em um prato de água fazendo-lhe algumas cruzes e
benzeduras com palavras pela sua língua que o suplicante não entendeu e disse o dito negro
ao suplicante que de noite fosse deitar aquela água em uma encruzilhada e que não tivesse
medo e o suplicante assim o fez.
E no demais fora o dito negro a vista do suplicante e desde então cessaram os moradores da
sua queixa.
ANTT, IL, Caderno do Promotor 117, Livro 309, fl. 289-289v.

1739: Luiza Pinta, natural da cidade de Angola (São Paulo de Luanda), forra, ex-escrava de Manuel Lopes de Barros, moradora em Sabará, Minas Gerais 18


Denunciantes: Antônio Leite Guimarães, morador no Córrego dos Cordeiros; João do Vale Peixoto, morador na Roça Grande; José da Silva Barbosa, natural da cidade do Porto, negociante em Sabará. Autoridade Inquisitorial que recebeu a denúncia: Comissário Manuel Varejão Távora.  Descrição: Segundo o primeiro denunciante, Luzia Pinta "é conhecida por toda vizinhança da Vila de Sabará e freguesia de Roça Grande como calunduzeira, curandeira e adivinhadeira". Luzia realizava suas seções de calundu tanto em sua própria residência como nas casas de seus clientes, sempre auxiliada por duas negras-angolas e outro negro de etnia não revelada, todos os três seus escravos. Segundo alguns moradores da região, Luzia "vestia-se com certos trajes não usados nesta terra... Vestida à moda de anjo, trazia na mão uma fita larga, amarrada na cabeça e arcadas, as pontas para traz... Vestia várias invenções, à moda turquesa, com trunfa19 a modo de meia lua na cabeça e com um espadim na mão...". Além deste espadim, alguns moradores viram um alfanje20 ou uma machadinha, agitando tais instrumentos enquanto seus pés e braços marcavam o passo com cascáveis 21. Usava também na cabeça uma grinalda de penas, ou um penacho nos ouvidos. As cerimônias do calundu demoravam em média duas horas: num canto da sala lá estava armado "um altarzinho com seu dossel"22 e debaixo deste espaldar 23, uma cadeira onde Luzia ficava.  Iniciavam a cerimônia "tocando tabaque, que é um tamborzinho caizini [sic], tocando e cantando até ela ficar fora de seu juízo, falando cousa que ninguém entendia. Após algum tempo de frenética dança Luzia "colocava um penacho de várias cores no ouvido e então é que dizia que os ventos de adivinhar lhe entravam pelos ouvidos", começando a partir daí o ritual de curas. João do Vale Peixoto diz o que viu quando participou desse calundu: "Sentada debaixo do dossel, com um alfanje na mão, ela fazia zurradas à maneira de burro, e posta no meio do dossel, mandava tocar atabaques por suas pretas e pelo preto, e tanto que se desentoava no toque e canto, dava saltos como cabra, e passava nesta forma uma ou mais horas. [Então] lhe despertavam as pretas cantoras uma cinta que tinha apertada na barriga, com a qual fazia vários trejeitos, e então dizia que lhe chegaram os ventos de adivinhar, e cheirando às pessoas que ali estavam, àquele que lhe parecia dizer [que] tinham feitiços, lhe atirava certos pós e ficava outra vez zurrando como burro. E para se aquietar e sossegar, era preciso que as pretas batessem em sua boca e no sobrado [?], zurrando também como burros". Outras pessoas referem-se aos sons provocados por Luzia quando possuída, como "algazarras e bramidos horrorosos". Ao curar Antônio Leite Guimarães, deitado na própria cama em sua casa, "falava Luzia com suas pretas, e depois, saiu para fora muito brava, que parecia endemoniada, e trouxe umas folhas do mato e deu a ele, testemunha para se curar". Outro informante descreveu sua aparência, quando em transe, como "esquipática feição". Durante o calundu "Luzia dizia que com aquelas danças lhe vêm os ventos de adivinhar, e assim lhe chama pela palavra ventos, e nestas horas fica horrorosas e enfurecida". Só então - com os penachos nos ouvidos - tinha início o ritual das curas e adivinhas: "tomando uma caixinha ou açafate24, tirava deste umas cousinhas que chamava seus bentinhos, e os cheirava muito bem... Metia então certos pós na sua boca e na dos circunstantes, dizendo que os queria curar... Dava-lhes também certa bebida de vinhos". Embriagada por tais porções ordenava "às pessoas que curava que se deitassem no chão, e passava por cima delas várias vezes em muitas ocasiões, fazendo certas visagens de uma invenção que parecia uma canoa ou escaler 25  e pegando nele, corria [o escaler] pelas pessoas, fazendo outras visagens". Diz José da Silva Barbosa que nessas ocasiões, Luzia Pinta ia logo perguntando às pessoas que queriam ser curadas "quanto traziam de ouro para lhe dar", o que confirma João do Vale Peixoto a quem ela pediu "dezoito oitavas de ouro para os ingredientes da cura, e mais quatro oitavas para fazer as adivinhações". A fama de Luzia como a principal calunduzeira, adivinhadora e curandeira dos arredores de Sabará foi confirmada ao Comissário do Santo Ofício, que a enviou presa ao Rio de Janeiro, sendo embarcada para o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição pela prática de rituais diabólicos.  Diante dos Inquisidores confessou que de fato, era procurada em sua casa por várias pessoas, brancas e pretas, que vinham curar-se de várias moléstias, aos quais "mandava tomar certas papas de farinha em que somente misturava raiz de abatua26 e de pau-santo 27, e por virtude deste remédio, vomitavam os doentes e se achavam melhores das queixas que padeciam. Disse que não cobrava nada pelo tratamento e que aprendera tal remédio em Angola. Luzia garantiu nunca ter-se afastado da fé católica, nunca ter praticado arte das adivinhas, nem jamais ter feito pacto com o diabo, ratificando que, ao ministrar certas beberagens aos doentes, mandava que as tomassem em nome da Virgem Maria e acrescentado que tais remédios levavam as pessoa a vomitar os feitiços que inadvertidamente haviam ingerido. Acrescentou que, além das referidas papas, cozinhava pedacinhos de pau-santo "e os cozia numa fita com que atava no braço da pessoa que padecia moléstias, para dali em diante lhe não poderem tornar a dar mais feitiços", tudo isso ensinado pelo preto Miguel, já defunto, quando ainda vivia em sua terra natal. Ao ser perguntada sobre a cerimônia em que dançava vestida de anjo, Luzia confirmou que, ao curar certos vizinhos, fazia um altar encimado por um dossel, trazendo em sua mão um cutelo ou alfanje de ferro e na cabeça um barrete com fita amarrada, começando a dançar "por lho vir nessa ocasião a doença da sua terra, a que chamam calundus, com a qual ficando fora de si, entra a dizer os remédios que se há de aplicar, e a forma na qual se hão de fazer". Disse mais: "que tudo fazia por destino que Deus lhe deu, e por esta causa é que ela diz e assevera nas ditas ocasiões que lhe vêem os ventos de adivinhar, que Deus Nosso Senhor é que lhe diz o que há de fazer". Não negou que ao curar, mandava às pessoas que se deitassem no chão, passando por cima delas repetidas vezes, "esfregando-as primeiramente com ervas, por ter isto virtude para lhes lançar fora os feitiços, e no fim deste fato, lhes ata no braço direito uma fita para que lhe não possam de novo tornar a fazer os ditos feitiços, aplicando aos enfermos por bebidas, um remédio que compõe de vinho e do suco de várias ervas que pisa para o dito efeito". Ao falar sobre o ritual com o escaler, disse que ela própria "mandara fazer uma canoazinha pequena, a qual untava muito bem com umas ervas e depois esfregava com elas o corpo das pessoas para lhe lançar fora os feitiços que padecem, por ser este o fim e a virtude para que se aplica o dito instrumento, e disse mais que ao chegar ao pé dela algum preto que tem feitiço ou cousa diabólica, lhe vem logo a dita doença dos calundus, com a qual fica fora do seu juízo e adivinha logo ter o dito preto a referida mandinga e por esta cousa não pode passar com a mesma por diante dela ré, enquanto com efeito a não vai tirar, e isto faz e adivinha  por tino e destino que lhe vem de Deus, e é tão certo adivinhar ela o referido, [que] perguntando-se aos mesmos pretos se era verdade de terem eles as ditas mandingas, confessaram ser assim como ela disse". Completou dizendo que ao cheirar as cabeças das pessoas é que reconhecia serem ou não portadoras de moléstias ou feitiços.  Ao ser chamada outra vez para falar perante os Inquisidores sobre o vento de adivinhar Luzia assim se expressou: "entendo que essa doença é sobrenatural porque quando me vem, fico parada com os olhos no céu por espaço de tempo e no fim do qual abaixo a cabeça, fazendo cortesia28 e logo olho para os doentes e conheço então os que hão de viver e têm remédio na sua queixa, e também os que não têm, os quais por esta razão, não aceito por meus enfermos e os mando levar pelas pessoas que os trouxeram". Aí pergunta um Inquisidor "como podia reconhecer que estas curas eram da parte de Deus",  respondeu: "todos esses efeitos provêm de Deus e não do Diabo, por que nas ocasiões em que se fazem as ditas curas, sempre se pedem aos enfermos duas oitavas de ouro, as quais se mandam dizer missas repetidas, a metade para Santo Antônio e a metade para São Gonçalo, e por intervenção destes santos é que se fazem as ditas curas...". Ao fim dos interrogatórios Luzia foi conduzida à câmara dos tormentos, sofrendo uma sessão de tortura no potro29. Após sofrer os tormentos, Luzia Pinta foi sentenciada à abjuração de leve suspeita de ter abandonado a fé católica, proibida de retornar a Sabará e condenada a quatro anos de degredo em Castro Mearim, no Algarve, após permanecer dois anos nos cárceres do Santo Ofício.
ANTT, Inquisição de Lisboa, Caderno do Promotor, Processo nº 252, cf. Mott, Luiz. "O Calundu-Angola de Luzia Pinta: Sabará, 1739", Revista do Instituto Artístico Cultural, Universidade Federal de Ouro Preto, nº 01, dez. 1994.


1775: Antonio Angola, escravo de Luis Barbosa Lagares, da Paropeba, MG33


O "feiticeiro angola" foi chamado para dar fortuna a uma família de portugueses enriquecidos com a descoberta do ouro. Foi tratado "com toda grandeza e estimação quando foi curar-lhe o cunhado, e pelo meio dia saiu o negro pelo Arraial dos Macacos há três léguas da matriz como em procissão vestido com camisa, num surtão vermelho e sobre os ombros como murça coberta de penas de várias aves e matizada com peles de onça, com um capacete na cabeça de variedade de penas, e na mão com um penacho de penas, tocando chocalhos; e o acompanhava um branco levando na mão uma caldeirinha em forma de mão cheia d'água cozida com raízes e ervas que o mesmo negro tinha feito e benzido e com um rabo de macaco hissopavam algumas pessoas e casas onde chegavam dizendo que se deixassem hissopar com ele para ficarem livres de feitiços e terem fartura porque assim assegurava o negro que benzeu a água; e chegando em algumas casas dizia o negro: aqui há  feitiços! e batendo com um pau no chão e perguntando-lhe: donde vinham? respondia: lá de cima! dando a entender que vinham da casa de uma inimiga da anfitriã a qual pretendia perdê-la pondo-lhe o nome de feiticeira (por causa de uma herança que disputaram, "e apesar de parda é mulher honrada"). E durante a procissão quando algumas pessoas diziam ao negro que lhes tirasse os feitiços que lhe haviam de pagar, logo entrava a dizer em voz alta: esmola para o Calundu! e no mesmo tempo hissopava as casas com o tal hissope de rabo de macaco e muitas pessoas deram esmola ao negro: galinhas, ouro e a mulher de Manoel Lopes dos Santos não tendo ouro nessa ocasião, tirou os brincos das orelhas e os deu ao dito negro...".

ANTT, Caderno do Promotor, 129, fl. 248.

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