quarta-feira, 12 de junho de 2013

Clero, Familiares e a feitiçaria

A extensão da diocese do Rio de Janeiro dificultava a doutrinação da população e a fiscalização do próprio clero. Nos primeiros decênios do século XVIII encontramos diversos documentos apontando práticas heterodoxas do clero mineiro.

“obediência da Igreja, confessando sem licença, levantando os altares aonde querem, fazendo sacramentos, tudo nulo por falta de jurisdição, e tudo atrás de granjearem mais oitavas”. Arquivo Público Mineiro, Seção Colonial, códice 05 (1723), fl. 92v.

Padres possuíam negros curandeiros, benzedores, adivinhos e feiticeiros em seus plantéis e, muitas vezes, estes agiam com sua conivência angariando jornal através de suas práticas pelas vilas e arraiais mineiros.

FAMILIAR texto do aldair:



“a mesma Mônica Maria costuma acreditar em superstições e a ter negros em casa benzedores com fama de feiticeiros”. E acrescentou que “estando um seu cunhado Manoel Lopes dos Santos doente, [ela] usou de benzeduras e visagens de negros asseverando que só assim podia sarar da dita moléstia”. Segundo os depoimentos, “era publico e notório que a dita Mônica tivera o dito negro [Antônio Angola] em sua casa tratando-o com toda a grandeza e estimação só a fim de dar saúde ao dito seu cunhado Manoel Lopes e também para lhe dar fortuna e riquezas por conta das suas benzeduras e adivinhações”. O prestígio que o negro Antônio gozava naquela família, da qual o Familiar do Santo Ofício fazia parte, era tamanho que, quando o feiticeiro decidiu sair “como em procissão pelo arraial de Macacos, distante três léguas da freguesia de Congonhas do Sabará”, vários de seus membros o acompanharam. A “procissão” ocorrera por volta do meio-dia. O negro Angola desfilava “vestido com camisa e um surtum (sic) vermelho e sobre os ombros como murça coberta de penas de várias aves e matizada de peles de onça com um capote na cabeça de variedades de penas e na mão com um penacho das mesmas”. João Coelho de Avelar, irmão de Mônica, ia “levando na mão uma caldeirinha em forma dela cheia de água cozida com raízes que o mesmo negro tinha feito e benzido”. Dentro da vasilha, João “levava um rabo de macaco e com este hissopava algumas pessoas e [casas] onde chegavam dizendo-lhe que bebessem daquele cozimento e que deixassem hissopar com ele para ficarem livres de feitiços e terem fortuna porque assim assegurava o negro”.

Ao longo da “procissão”, “dizia o negro a algumas pessoas que se queriam que lhes tirasse os feitiços que lhe haviam de pagar e logo entrava [João Coelho de Avelar] a dizer em voz alta: esmola para o Calundu”. As testemunhas informaram no sumário que era “público e notório que muitas pessoas deram esmola ao negro embusteiro: de galinhas a ouro, e até a mulher de Manuel Lopes dos Santos, irmã da dita Mônica, por não ter ouro na ocasião tirou os brincos das orelhas e deu ao dito negro”.

Como vemos, o Familiar do Santo Ofício Henrique Brandão estava longe de ser o protótipo de um reto agente do Santo Ofício idealizado no regimento inquisitorial. Ele acabou recorrendo aos poderes do feiticeiro Angola, cujas práticas eram alvos da justiça eclesiástica e, dependendo da avaliação do Tribunal de Lisboa, poderiam ser também perseguidas pela Inquisição. Para este Familiar e para a família da qual passou a fazer parte após seu casamento, o que importava era ter a “saúde e riqueza” que o negro lhes proporcionaria. Eles tinham a expectativa de que os poderes do feiticeiro seriam muito úteis para a descoberta de novas lavras e para lhes garantir saúde.
ANTT, IL, Cad. Promotor, livro 318, fl. 247

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