sexta-feira, 7 de junho de 2013

Conflito Conde de Assumar e

Antes que qualquer familiar do Santo Ofício se instalasse na região da minas ou o Bispado de São Sebastião do Rio de Janeiro empreendesse a primeira visita aos sertões da então Capitania de São Paulo e Minas do Ouro as práticas mágicas encontrava-se amplamente difundidas entre a população e em conflito com uma autoridade régia: o recém empossado governador da Capitania o Conde de Assumar. 

Quando Assumar assumiu o governo das Minas existiam levantes de escravos, desorganização na produção aurífera e a necessidade de organizar o sistema fiscal da Capitania. 


Os esforços da metrópole portuguesa para implantar uma estrutura administrativa na região, através da nomeação de

Nunes Viana obteve sucesso ao forjar sua liderança política no entrelaçamento de múltiplas tradições culturais e religiosas em vigor durante o período Moderno. Das práticas mágicas de origem africana, passando pelas artes divinatórias européias e o misticismo barroco, Viana conseguia impressionar a população das Minas e incomodar o Conde de Assumar. Aliás, é através das cartas desse governador que compreendemos melhor


Em Janeiro de 1719, Assumar escreve ao rei pedindo licença para retirar-se do governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro confessando sua dificuldade em combater a lógica peculiar e heterodoxa aplicada por Nunes viana, impregnada por concepções mágicas. Esta lógica sertaneja no exercício do poder transformavam Nunes Viana em "místico, profeta, justiceiro - tudo aquilo que a largura do sertão ousava permitir-lhe." Adriana Romeiro ainda desta que "um multidão de seguidores reconhecia-lhe o carisma, rendia-lhe vassalagem e compartilhava daquelas noções de poder pouco ortodoxas, entremeadas com crenças mágicas européias e africanas. p. 165

O conflito entre o Conde de Assumar e seu arquiinimigo Manuel Nunes Viana traçam um panorama interessante acerca do sobrenatural e das práticas mágicas na região das Minas, com a qual mantém uma conexão direta, sem esgotar, no entanto, sua complexidade.

Apesar de usufruir de riqueza e gozar da patente de mestre-de-campo Viana preocupou-se em edificar sua base de poder amparada por capacidades sobrenaturais capazes de conquistar o respeito da população que vagava entre as lavras e catas dos arraiais auríferos. De fato, o líder emboaba tornou-se, ao longo das primeiras décadas do século XVIII, uma ameaça à soberania portuguesa em um importante território, onde o governador viu-se impotente em tentar convencer a população de que ele era o único representante legítimo do poder de "El Rei". Familiarizado com as matrizes políticas ibéricas, Assumar confrontou-se com uma lógica sertaneja heterodoxa e desconhecida. No entanto, não deixou de reconhecer que a população facilmente convencia-se das capacidades sobrenaturais de Viana.

 em decorrência da guerra entre paulistas e forasteiros na região aurífera – conhecida como Guerra dos Emboabas –, o monarca decidiu criar a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Seu primeiro governador foi António de Albuquerque Coelho de Carvalho, que tomou posse do cargo no dia 12 de junho de 1710.
Temendo uma rebelião dos mineiros, o primeiro governador da capitania nada conseguiu fazer para arrecadar o imposto destinado à Coroa. Seu sucessor, D. Brás Baltazar da Silveira, arrecadou apenas 30 arrobas (antiga unidade de medida de peso, equivalente a cerca de 14,7 quilos) anuais de ouro, tributo que fora acertado com as Câmaras das vilas existentes na região. A taxa não representava a cobrança da quinta parte do ouro extraído, mas apenas uma finta, ou seja, um imposto provisório.
 D. João V percebeu que a crescente produção mineira poderia gerar para seus cofres muito mais do que a taxa de 30 arrobas. Por meio de uma lei de 11 de fevereiro de 1719, determinou que a Coroa não aceitaria mais aquele ajuste. Para a arrecadação dos seus quintos, ordenou que fossem construídas as Casas de Fundição em Minas. Por ordem do governador, que era então D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, começaram a ser erguidas as Casas de Fundição em Vila Rica, Sabará, S. João d’el-Rei e Vila do Príncipe. Foi estabelecido o prazo de um ano para a conclusão das obras, e durante esse período continuaria vigorando o sistema de fintas – como as taxas eram chamadas.

O nome “Emboabas” significa em Tupi “Pássaro de Pés Emplumados”, e é uma ironia aos forasteiros que usavam botas; enquanto que os paulistas, andavam descalços.

...é habitada de gente intratável, sem domicílio, e ainda que está em contínuo movimento, é  menos inconstante que os seus costumes: os dias nunca amanhecem serenos: o ar é um nublado perpétuo:  tudo é frio naquele país, menos o vício, que está ardendo sempre. Eu, contudo, reparando com mais
atenção na antiga e continuada sucessão de perturbações, que nela se vêem, acrescentando que a terra
parece que evapora tumultos: a água exala motins: o ouro toca desaforos: destilam liberdades os ares:
vomitam insolências as nuvens: influem desordens os astros: o clima é tumba da paz e berço da rebelião: a
natureza anda inquieta consigo, e amotinada Ia por dentro, é como no inferno." VEIGA, José Pedro Xavier da. A Revolta de 1720 em Villa Rica: discurso historico-politico. Imprensa Official de Minas Geraes, 1898. p. 8.


Conde de Assumar deixa claro em seu discurso a oposição entre a sua condição como representante do rei e a gente intratável das Minas. Eduardo França Paiva destaca que além de expor a aversão do governador ao clima e ao ambiente instável da capitania essa descrição "seja tributária da personalidade rebelde, autoritária, desrespeitosa de Viana e seus aliados..." (Trabalho livre, trabalho escravo - Brasil, Europa, Séculos XVIII e XIX p. 117.)

É interessante remontarmos a trajetória de Manuel Nunes Viana nas Minas. Segundo Adriana Romeiro "ele estava longe de ser o grosseirão rústico que uma historiografia, embrionária no século XVIII e florescente ao longo do XIX teimou em proclamar."  p. 160. Tratava-se de um homem alfabetizado em meio a uma sociedade de analfabetos, patrocinou escritores (


Os paulistas, na medida em que penetravam pelas alterosas, foram erigindo os arraiais e fixando as primeiras

cruzes e altares ainda rudimentares. (LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. p. 38)


Nos sertões das minas recém descobertas, os aventureiros precederam as instituições administrativas e eclesiásticas, desbravando um território ainda despovoado e construindo os rudimentos da vida social e urbana.

No dia 24 de Julho de 1717 D. Pedro de Almeida Portugal, mais conhecido como Conde de Assumar, partia do Rio de Janeiro para governar São Paulo e Minas do Ouro que, nesta época, formava uma mesma unidade administrativa. Tratava-se de um homem da corte com vasta experiência militar e educação esmerada.

Durante sua regência de quatro anos à frente do governo da Capitania (1717-1721) tornou-se inimigo de um temido e respeitado potentado do sertão: Manuel Nunes Viana, comerciante português proveniente da Bahia, dono de extensas terras junto às margens do Rio São Francisco. Tornou-se célebre por usa participação na Guerra dos Emboabas onde liderou reinóis contra paulistas.

Adriana Romeiro afirmou que “Nunes Viana logrou forjar sua liderança política na encruzilhada das múltiplas tradições culturais e políticas vigentes na Época Moderna, na qual desembocavam tanto as concepções políticas populares e as eruditas formulações teóricas da Restauração Portuguesa, quanto as crenças mágico-religiosas de extração africana, as artes divinatórias europeias e o misticismo barroco.” P. 162


Segundo Adriana Romeiro, tratava-se também de um homem letrado e versado na linguagem política da época. Entretanto, ao contrário de Assumar, sabia jogar muito bem com o imaginário popular.

O conflito entre Manuel Nunes Viana e o Conde de Assumar nos permite construir um panorama da influência da feitiçaria junto às camadas populares nos primeiros decênios do século XVIII.

Até mesmo membros do clero e familiares da inquisição não estiveram alheios aos poderes dos feiticeiros na região das Minas.
Certamente, no reino ou na capital da Capitania, o governador não sofreu com as mesmas dificuldades dos habitantes das minas. Poderia, caso necessitasse, contar com o amparo de um bom cirurgião ou boticário.
espalhados por centenas de arraiais com recursos extremamente limitados.

André Nogueira sugere que muitas vezes os recursos de um feiticeiro e um cirurgião poderiam estar muito próximos, até mesmo idênticos sendo que, o que diferia seria a cor da pele e a licença oficial.


Para nossa sorte, assim que Assumar deixa o governo das Minas em 1721, nos deixa na companhia das devassas eclesiásticas que visitavam importantes vilas e os mais distantes arraiais em busca de transgressores dos princípios da Igreja Tridentina. 

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