A preocupação com a proteção das crianças ao assédio de bruxas e feiticeiras era recorrente no mundo moderno. Comadres, parteiras, benzedores e até mesmo o discurso médico oficial da época orientavam mães a manterem as crianças fora do alcance de "criaturas maléficas". O médico Bernardo Pereira, (citado por Mary del Priore em História das Crianças no Brasil para mais informações consultar pp. 90-98.) ao final do século XVIII, recomendou às mães não deixarem suas crianças sozinhas à noite, usarem arrudas nos lençóis, além de cercarem os berços com objetos religiosos: crucifixos, relíquias, imagens de santos e orações. Além disso, era necessário realizar defumadouros pela casa e pendurar junto ao leito da criança uma cabeça ou língua de cobra além do sangue e da peçonha deste animal espalhados na parede do quarto infantil. Seguindo estes conselhos era quase certo que a criança não seria atacada por feiticeiras e outras criaturas sobrenaturais.
A fragilidade infantil ainda suscitava uma série de cuidados além dos recomendados pelo médico português. A criança poderia ser raptada, vítima de bruxedos ou pior, ter todo seu sangue chupado por uma feiticeira. Circulavam fórmulas para identificar quebranto. O processo consistia em colocar sob o berço da criança um vaso cheio d´água, colocando-se um ovo dentro do vaso. Caso o ovo permanecesse flutuando era certo que a criança estava doente e, caso fosse ao fundo, estava livre. Para combater quebrantos e feitiços, a criança era benzida, em jejum, durante três dias, com raminhos de arruda, guiné ou jurumeira." Op. Cit. p.91.
Gilberto Freyre cita uma série de outras tradições do mais puro sabor europeu para proteger recém-nascidos de feiticeiras e outras males. Estas proteções místicas variavam desde "o cordão umbilical ser atirado ao fogo ou ao rio, sob pena de o comerem os ratos, dando a criança para a ladra; a da criança trazer ao pescoço o vintém ou a chave que cura os sapinhos de leite; a de não se apagar a luz enquanto o menino não for batizado para não vir a feiticeira, a bruxa ou o lobisomem chupar-lhe o sangue no escuro; a de darem nomes de santos às crianças pois, do contrário, se arriscam a virar lobisomens. FREYRE, Gilberto. Grande Senzala p. 382
Câmara Cascudo colabora com o repertório e fórmulas mágicas para proteção de crianças dos mais diversos males sobrenaturais. Segundo ele, manter uma tesoura aberta ou qualquer objeto de aço debaixo do colchão poderia afugentar feiticeiras e outros espíritos malignos que pudessem sugar o sangue infantil. CASCUDO, Luís Câmara. Superstição no Brasil. São Paulo: Global, 2002. p. 210.
O cotidiano do homem moderno era repleto de elementos sobrenaturais que acabavam por se fundir em suas práticas e hábitos diários. Em um período onde "ouvir valia mais do que ver" Laura p.21.
O imaginário fantástico permaneceu durante a aventura do descobrimento e permaneceu, de certa forma, durante o processo de conquista e do povoamento dos sertões. Ao consultarmos os relatos de viajantes que percorreram a colônia durante o século XVIII podemos recompor o assombro, o espanto e o medo diante da feitiçaria, da herbologia dominada por negros e das referências aos temidos e exóticos calundus.
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