De acordo com Russell-wood, no último quartel do século XVII, ocorreram mudanças dos dois lados do Atlântico que levaram a uma alteração no padrão de importação de escravos. Os sudaneses da Costa do Ouro e do Golfo do Benim passaram a vigorar entre os preferidos dos mercadores brasileiros em detrimento dds bantos de origem angolana. Na África portuguesa as guerras internas e o consequente colapso do reino de Ndongo, somados a uma epidemia de varíola (1685-87) afetaram significativamente o preço dos escravos. No Brasil, o vigor da indústria do fumo na região fértil do recôncavo baiano facilitou significativamente para o comércio com a Costa da Mina.
"Enquanto os bantos preferiam mercadorias asiáticas e européias em troca dos escravos, os sudaneses preferiam fumo e, em particular, o fumo curtido com melado produzido na Bahia. Isso permitiu os comerciantes baianos de escravos tratar diretamente com a chamada Costa da Mina, em vez de depender dos mercadores de Lisboa ou fazer transbordos de navios mercantes da Índia que se dirigiam à Bahia." p. 54
Outro fator interessante que o autor destaca é o baixo prestígio dos escravos da Costa da Mina junto aos produtores brasileiros. Existia uma certa preferência pelos cativos de origem angolana. No entanto, à partir de 1730 há uma inversão nessa preferência
Acreditando-se que a feiticeira poderia provocar e controlar tempestades e acalmar os ventos, amaldiçoar as colheitas e enfurecer os mares
Os curadores, benzedores e adivinhos eram a salvação para a vida tediosa e sofrida dos colonos pois traziam em si o sonho e a possibilidade de cura, do acesso ao ente querido depois da morte, ao encontro de objetos e riquezas ocultas além da realização de desejos amorosos.
Caio César Boschi e Fernando Torres Londoño defendem a ideia de que o sínodo diocesano em Salvador dividiu a história da Igreja na colônia em duas fases distintas. A primeira perpassa todo o período de conquista e colonização onde a Igreja demonstra certa fragilidade. A segunda inicia-se com a elaboração das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia quando os prelados se fazem presentes nos sertões por meio das visitações eclesiásticas, da criação de paróquias e novas dioceses.
Na Comarca de Serro do Frio o Vigário da Vara de Villa do Príncipe condenou Matias Vieira por pacto demoníaco, adivinhações e curas com ervas medicinais. A pena ficou estabelecida no pagamento de trinta e seis cruzados para custear as despesas judiciais e o degredo para fora da Comarca. O curandeiro apelou em 17 de Maio de 1764 ao Juizo Eclesiástico. O Vigário-Geral Ignácio Correa de Sá desqualificou as testemunhas de acusação do réu que, além de serem todas mulheres, basearam-se apenas na "fama pública" sem apontarem de quem ouviram tais declarações. O Vigário-geral determina uma nova sentença alegando que as "curas que faz com ervas e raízes medicinais (...) aprovadas por médicos, não se mostra, que houvesse pacto" e de não deveriam acrecitar na capacidade sobrenatural do reú em adivinhar o sexo do bebê ainda no ventre da mãe. O réu foi absolvido e contemplado por alvará de soltura. AEAM. Juízo Eclesiástico - 1748/1765, fls. 128-128v.
Da mesma forma o forro Domingos Silva Reis foi absolvido em Vila Rica alegando que as curas que realizava eram baseadas nos ensinamentos de seu antigo senhor, um cirurgião que "curava várias enfermidades com purgar e banhos com ervas e outros remédios naturais". Segundo o próprio réu, as acusações que culminaram em sua prisão originaram-se de calúnias provenientes do fato dele curar doenças que todos consideravam incuráveis e vítimas de malefícios. O Vigário-geral foi condencendente com o réu alegando que muitos cirurgiões e médicos costumam justificar a causa das doenças da mesma forma "quando moléstias se mostram rebeldes aos remédios naturais da medicina." AEAM. Juizo Eclesiástico, 1748/1765, fls. 78v-79.
"querem alguns que haja maior numero de feiticeiras que de feiticeiros, ou porque as mulheres mais facilmente se deixam enganar pelo Demonio, ou porque, como sao naturalmente mais vingativas e invejosas que os homens, com mais curiosa malicia estudam o modo de satisfazer essas paixões"
"O que seguem essa opinião" segundo o autor, advém do uso de "feiticeira" no feminino nos próprios textos sagrados dando a entender que este "vício" é mais comum entre as mulheres. p. 63
"a feiticeira não deixarás viver" êxodo 22:18
Da mesma forma que Eva foi seduzida pelo desconhecido e pelo poder no Edén, as mulheres continuam sendo ludibriadas e induzidas pelo demônio nos tempos modernos, na esperança de saber coisas futuras e ocultas
O feiticeiro é definido por Bluteau como "homem que com arte diabolica e pacto explicito ou implicito faz coisas superiores as forças da natureza." p. 64
Bluteau critica os incrédulos que por serem ateus negam a existência de Deus e do Demônio e por conseguinte não creem em feiticeiros. No entanto, há a "certeza deles na razão, na experiência e na sagrada escritura." O dicionarista defende que a feitiçaria é prescrita como crime nos decretos dos Concílios, nos estatos e ordenações dos reinos e republicas e determinam rigorosas penas par os feiticeiros. p. 64.
Nunes Viana obteve sucesso ao forjar sua liderança política no entrelaçamento de múltiplas tradições culturais e religiosas em vigor durante o período Moderno. Das práticas mágicas de origem africana, passando pelas artes divinatórias européias e o misticismo barroco, Viana conseguia impressionar a população das Minas e incomodar o Conde de Assumar. Aliás, é através das cartas desse governador que compreendemos melhor
Em Janeiro de 1719, Assumar escreve ao rei pedindo licença para retirar-se do governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro confessando sua dificuldade em combater a lógica peculiar e heterodoxa aplicada por Nunes viana, impregnada por concepções mágicas. Esta lógica sertaneja no exercício do poder transformavam Nunes Viana em "místico, profeta, justiceiro - tudo aquilo que a largura do sertão ousava permitir-lhe." Adriana Romeiro ainda desta que "um multidão de seguidores reconhecia-lhe o carisma, rendia-lhe vassalagem e compartilhava daquelas noções de poder pouco ortodoxas, entremeadas com crenças mágicas européias e africanas. p. 165
O conflito entre o Conde de Assumar e seu arquiinimigo Manuel Nunes Viana traçam um panorama interessante acerca do sobrenatural e das práticas mágicas na região das Minas, com a qual mantém uma conexão direta, sem esgotar, no entanto, sua complexidade.
Apesar de usufruir de riqueza e gozar do cargo de blablabla Viana preocupou-se em edificar poderes sobrenaturais capazes de conquistar o respeito da população que vagava entre as lavras e catas dos arraiais auríferos. De fato, o líder emboaba tornou-se, ao longo das primeiras décadas do século XVIII, uma ameaça à soberania portuguesa em um importante território, onde o governador viu-se impotente em tentar convencer a população de que ele era o único representante legítimo do poder de "El Rei". Familiarizado com as matrizes políticas ibéricas Assumar confrontou-se com uma lógica sertaneja heterodoxa e desconhecida. No entanto, não deixou de reconhecer que a população facilmente convencia-se das capacidades sobrenaturais de Viana.
A ação do Bispado de São Sebastião do Rio de Janeiro e dos Familiares do Santo Ofício no decorrer de todo o século XVIII foram profundamente marcadas pelos princípios estabelecidos pela Reforma Tridentina. Tais princípios orientaram o ordenamento e funcionamento das visitações eclesiásticas na tentativa de impor a ortodoxia católica no sertões da colônia.
Na capitania do ouro, o europeus já manifestavam uma reliogiosidade já eivada de reminiscências pagãs e heterodoxas em relação ao catolicismo cristão. Desse descompasso com a ortodoxia católica não estavam incólumes nem mesmo sacerdotes e familiares do Santo Ofício que, não raro, envolveram-se com relações de concubinato, geraram filhos bastardos e procuraram nas práticas mágicas soluções para seus problemas. Some-se a este contexto negros provenientes das mais diversas regiões do continente africano que, além da força física, traziam consigo novas doenças, um conhecimento herbário e práticas mágicas distintas do contexto europeu. Além disso, é necessário salientar a "botica do sertão" e
Dessa forma, o comportamento da população mineira distanciava-se das regras estabelecidas pela Igreja, sendo muitos transgressores reincidentes em seus delitos, buscando em práticas heterodoxas o alívio necessário para a faina diária em detrimento da autoridade dos prelados.
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