quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Documentos e citações interessantes acerca do Sobrenatural nas Minas Setecentistas




Sobre o acesso a saúde nas Minas

O brasilianista inglês Russell-wood afirma que a assistência médica era mais restrita na região das Minas do que nos enclaves costeiros. A Coroa Portuguesa suspeitando que frades participavam ativamente do contrabando de ouro proibiu, em 1711, sua circulação vetando paralelamente a construção de mosteiros em toda a Capitania. "As regiões de mineração foram, assim, privadas da filantropia social e da assistência médica a todos os setores da comunidade, inclusive escravos, prestadas por estas ordens na Bahia, no Recife e no Rio de Janeiro." RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.


Sobre Calundus

“...fora procedido do estrondo dos tabaques [sic.], pandeiros, canzás, botijas e castanhetas; com tão horrendo alarido, que se representou a confusão do inferno (...). Senhor, (me disse o morador)se eu soubera que haveis de ter este desvelo, mandaria que esta noite não tocassem os pretos seus calundus (...) Pois senhor, que coisa é calundu? São uns folguedos, ou adivinhações (me disse o morador) que estes pretos costumam fazer nas suas terras, e quando se acham juntos, também usam deles cá, para saberem de várias coisas, como as doenças de que precedem; e para adivinharem algumas coisas perdidas; e também para terem ventura em suas caçadas, e lavouras;”

Referência: PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América [1732]. Rio de Janeiro: ABL, 1988. p. 123-124

Juizo Eclesiástico contra Calundus - [...] codas as ditas circunstâncias, observações, cerimônias, micetivos (sic) e cautelas se presumem feitas por concurso diabólico [...] se prova pelas testemunhas [...] que [os réus] eram por outra via tementes a Deus e devotos de Nossa Senhora, e ao tempo que tem da prisão ultimamente a sua condição e simplicidade os condeno somente a dois mil réis [...] e a um ano de degredo para fora do Bispado, fazendo primeiro penitência pública ambos juntos nas portas da Santa Sé em um Domingo ou Dia Santo, cada um com sua vela na mão, estando em corpo, para o que serão trazidos presos e se tornarão a recolher na prisão." AEAM. Juizo Eclesiástico 1748-1765. fls. 37v-38.

Capacidade sobrenatural dos Escravos provenientes da Costa da Mina - carta do Governador do Rio de Janeiro Luís Vahia Monteiro ao Rei, escrita em 05/07/1726.


“ os negros minas são os de maior reputação para aquelle trabalho (das minas), dizendo os mineiros que são os mais fortes e vigorozos, mas eu entendo que adquerirão aquella reputação por serem tidos por feiticeyros (grifo nosso), e que tem introduzido o diabo que só elles descobrem ouro, e pella mesma cauza não há mineiro que poça viver sem hua negra mina, dizendo que só com ellas tem fortuna”

 Referência: Arquivo do Estado de São Paulo. Publicação oficial de documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, vol. 50. São Paulo: Arquivo Estadual de São Paulo, 1929, p. 60. In: LISANTI, op. cit., vol. I, pp. DI -DII (nota 4).

O zeloso bispo D. Antônio de Guadalupe, em visita à capitania, em 1726, também manifestou sua preocupação com rituais heterodoxos empreendidos pelos negros mina: “Achamos que alguns escravos, principalmente da costa da Mina, retêm algumas relíquias de sua gentilidade, fazendo ajuntamento de noite com vozes e instrumentos em sufrágio de seus falecidos ajuntando-se em algumas vendas, onde compram várias bebidas e comidas, e depois de comerem lançam os restos nas sepulturas. Portanto recomendamos aos Reverendos Párocos e Capelães [...] façam desterrar estes abusos, condenando a três oitavas para a Sé ou Meirinho qualquer pessoa que em sua casa recolha, ajude ou favoreça nestas superstições aos ditos escravos, avisando também a seus senhores que os emendem, aliás, se procederá contra eles como for justiça, como consentimos. RODRIGUES, Mons. Flávio Carneiro (org.). Cadernos Históricos do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana: as Visitas Pastorais do Século XVIII no Bispado de Mariana. Mariana: Ed. Dom Viçoso, 2004-2005. v. 2, p. 28 e ss.

Carta do Conde de Assumar ao governador da Bahia e vice-rei do Brasil informando-o sobre a crença da população da Capitania na capacidade sobrenatural de seu inimigo Manuel Nunes Viana:

E para que Vossa Excelência fique inteirado o que este homem tem persuadido os povos daquelle desticto e quazii todo o certão onde vive como regullo e as impressoens que tem metido na cabessa como elle he grande bal ladrão e está sempre falando nas suas valentias estão aquelles homens crendo hoje que as ballas lhe não entrão no corpo que seos negros são todos mandigueiros (sic), e que he capas de adevinhar tudo o que se passa dentro das mesmas cazas de cada qual, porque elle faz galla delle insinuar estes discurços, que entre gente rústica e de nenhuma inteligencia; não há duvida que fazem grande impressão estas supertiçois e as acreditão mais que a mesma e como vem que muitas vezes correspondem os effeitos as cauzas que imaginão so Deos do ceo lhas tirará esta openião e abaixo delle Vossa Excelencia se remeter este homem a Lisboa porque em parte estiver no certão há de sempre trazer inquieto parte do certão da Bahia, parte do de Pernambuco, e quazi todo este governo, ainda Vossa Excelencia e ao governador de Pernambuco tem praças e tropas com que podem sugeitar os povos mas este governo não tem meyo nenhum com que reprimir hum levantamento de povo, que daqui por diante será inivitavel se Manuel Nunes nos puzer aqui (como pode, e como intente) em citio de gados, assim meu Senhor protexto a Vossa Excelencia pellos quintos de Sua Magestade e pello sossego deste governo com Manuel Nunes na Tabua não podem estar nunca seguros em aqui havendo hú governador que faça a justiça e que não sujeite a tollerar lhe as duas ditas insolências (...) e em fim com mil mortes, se tantas vidas tivesse não pagava Manuel Nunes as mortes os latrocínios as soblevaçois, os roubos, os insultos, as insolencias que tem feito toda a sua vida, e que ainda agora continua sem temor de Deos nem de El Rey, com o que se tem adquerido hua autoridade tão dispotica e tão soberana, que entre estes povos, que mais querem desobedecer a hua ordem de Sua Magestade que a outra de Manuel Nunes Vianna, e deixo a concidderação de Vossa Excelencia o quam prejudiciaes são semelhantes pessoas nas republicas.
Tendo me dilatado demaziado nesta carta e nunca acabara de contar as extraordinarias façanhas deste bandido, mas seria pouco todo papel cera mister largo tempo para as contar, mas baste isto que Vossa Excelencia conheça qual he o errado procedimento deste homem, e para tudo o que Vossa Excelencia me ordenar terey sempre prompta a minha obediência...
Referência: Arquivo Público Mineiro/Seção Colonial, códice 11, f. 89v-91.

Sobre o castigo divino - Em 12 de Julho de 1753 Dom Frei Manuel da Cruz expediu edital alertando que pragas e outras infestações de animais nocívos poderia ser causada por alguma maldição oculta ou censuras eclesiásticas consequentes da ação pecaminosa dos fiéis que despertava a justiça divina e abria espaço para a ação demoníaca e de feiticeiros. Desta forma, o zeloso prelado recomendou que os fiéis recorressem à justiça Divina através de jejuns, esmolas, orações e penitências para que 

"... os bichinhos ou espíritos imundos não perturbem e não infestem" 
Referência: AEAM. Livro W41, p. 10 - 12v. Livro II, p. 38v-40

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