
Por fim, dobrando a ponta do morro, aparece, de repente, o edifício do Caraça, iluminado e de que descem pela encosta duas longas filas de luzes. Altíssimos rochedos em anfiteatro formavam o fundo do quadro. Era belíssimo, mas a lua e as estrelas elevavam-me os olhos a maior altura. Apeei-me e subi com as filas das luzes. Passei pela capela que constroem e cuja arquitetura agradou-me. Tomei meu meio-banho, depois de conversar um pouco com o Superior Clavelin e diversos professores, sobretudo com o nascido em Constantinopla de família grega [Padre Socrate Collaro]. Jantar às 7 ¾. Depois informei-me dos estudos com o Superior. Tenho muito o que fazer amanhã. Vi no caminho muitas flores e árvores de madeira de lei como tatajiba e óleo vermelho.
12 (terça-feira)
Acordei às 6h. fui tomar banho no rio. De volta admirei as montanhas
por detrás da casa entre as quais a chamada Carapuça. Esqueci-me de
falar ontem da bonita aldeola do Sumidouro antes de subir a serra.
(...) O nome de Caraça provém ou da forma de caraça de uma das montanhas
ou de um português que morou perto da serra. Assim ouvi ao padre
Clavelin. Referiu-me ele que se supunha que Fr. Lourenço, terceiro de
S. Francisco, e fundador do Caraça, pertencia à família Távora e por
isso fugira para o Brasil. O capitão-geral de Minas Bernardo José de
Lorena tratava-o com muita estima e deixou-lhe sua baixela. Acharam o
testamento de Fr. Lourenço que parece desmentir a legenda dos Távoras.
Fr. Lourenço comprou a primeira terra a faiscadores, doou-a a D. João
6º que mandou vir Fr. Leandro e Viçoso a quem deu a terra com o
princípio de edificação da capela que se constrói no lugar da antiga
construída por Fr. Lourenço. 6 janelas de cada lado – que fizera Fr.
Lourenço. Depois houve uma licença de meu pai para adquirirem mais terra
e enfim há pelo menos uma que possui a congregação sob nome de outrem.
Respondi a Clavelin que era preciso regularizar a situação. (...) Na
saleta onde escrevo há bons livros pertencentes ao padre Clavelin, ou
padre Sípolis, alguns de história natural. São quase 8h e vou para a
missa que disse Clavelin no refeitório anterior ao atual. A casa tem um
pequeno pátio com algumas flores, fonte e feto arborescente. Estive na
biblioteca onde achei bons livros e edições antigas chamando minha
atenção a da Crônica de Eusébio de 1483. Veneza, impressor Arnoldt
Augustensis. Há aí uma pequena coleção de minerais quase todos de
Minas.
![]() |
Tela pintada a pedido de Dom Pedro II por George Grimm - 1885 |
Altura do Caraça sobre o nível do mar 1300m
pelo ipsômetro de Gorceix. Aqui dizem que são 1600. O maior frio foi já
de + 4º c. e o calor de 23 a 25. Depois fui para as aulas. Comecei
pela de direito canônico. Tive necessidade de protestar contra o modo
porque o professor Chanavaz combatia o direito do placet. Depois ele
estranhou que um monarca católico protestasse contra a doutrina e eu
tive de dizer que talvez fosse mais católico do que ele e que era
tolerante quando ele se mostrava intolerante. Expliquei sempre ao padre
Clavelin, que parece-me excelente pessoa, como eu ressalvava o direito
unicamente contra abusos de autoridade eclesiástica que não deviam
ficar dependentes da única apreciação daquela. Assisti a todas as
classes onde gostei em geral do modo porque os estudantes respondiam.
Desagradando-me de álgebra e aritmética. Os professores a meu pedido
chamavam os mais adiantados. O filho do Peixoto de Sousa de Caeté não
traduziu e regeu mal Justinus. Enquanto jantavam fui ver a oficina do
padre Boa Vida que está fora missionando. Admirei aí o seu trabalho de
órgão. A madeira preta das teclas é belíssima. Visitei outras partes do
estabelecimento. As interrogações nas classes terminaram às 4 ¾.
Jantar. Subida ao pequeno morro de pedra do calvário de onde a vista era
belíssima, sobretudo do lado da montanha da Carapuça com matizes
róseos e violáceos do pôr do sol. Olhei bem para todas as montanhas.
Que cercam o edifício. Ontem mostraram-me o pau de jacarandá a que se
arrimava o irmão Lourenço e não Fr. quando St. Hilaire o viu aqui. Fui
depois por um caramanchão onde está o chamado Quiosque até a represa de
água em que se espelhava a lua. A noite está belíssima. O edifício
para maior largueza dos alunos carece ainda de bastante obras. Tem
gasto já bastante com a igreja que ficará muito elegante. Vi muito bem
feitos capitéis e socos de pedras daqui (...). Avistei do Calvário a
horta muito viçosa. Tem bois para carreto e 300 para corte. Compram o
milho agora por 1 a 2$000 o alqueire mas já chegou a 4, o feijão a 7
ou 8 o saco. O carreto é necessariamente caro. Voltei de meu passeio
por dentro da cozinha, que não é má menos o fogão que não é econômico.
Visitei a farmácia dirigida por um padre. Tem pequena enfermaria perto
de cada dormitório e quartos para doentes graves. O médico Dr.
Figueiredo vem de 15 em 15 dias quando não seja chamado para
qualquer caso extraordinário e grave. (...) As chuvas vêm do lado do
N.O. Logo há serão literário. (...) Reuniram-se os professores e os
estudantes na Capela que se constrói iluminada com velas em lustres de
papel. O espetáculo era muito belo. Dirigiram-me discursos em francês
Clavelin; latim e grego o grego de Constantinopla, professor de
história e geografia; hebraico o padre Lacoste; espanhol um empregado
da casa ex-oficial de cavalaria espanhol; inglês o professor de inglês.
Cantaram uns versos franceses antes de oferecerem um ramo com os
versos acompanhados de flores pintadas pelo professor de desenho à
imperatriz. Tocou a banda dos alunos que é sofrível. São mais de 9h e
vou deitar-me, que saio amanhã logo que clarear. Ia me esquecendo dizer
que na volta da represa vi araucárias, e disse-me Clavelin que no
tempo da visita de meu pai ainda existia uma alameda delas plantadas
pelo irmão Lourenço.
Homem muito sábio e preparado que foi traiçoeiramente 'apunhalado' no trágico 15 de novembro de 1889.
ResponderExcluirNem me lembre caríssimo Eustáquio. Aliás, a família imperial brasileira é atacada até hoje de forma covarde.
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