quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Páginas do Diário do Imperador D. Pedro II em viagem ao Caraça

11 (2ª f.) Caeté, 5h acordei. Tomei banho frio na banheira. Ontem li Saint-Hilaire. As pinturas que ele elogia da matriz do Sabará são do coro e não as da sacristia que aliás parecem-me melhores (...) Às 6h parto para o Caraça (...). Custou-me a apanhar a liteira apesar de trotar bastante. Diversos cavaleiros, entre eles Afonso Pena, vieram ao meu encontro. A caravana entrou de novo em São João do Morro Grande depois das 11 ½. A Igreja é pelo risco da de Caeté. Saint-Hilaire teve razão de falar dela. Partida de São João à 1 ½. O caminho margeia o rio. (...) Depois margeia-se o rio de Brumado. Escavações curiosas de explorações antigas de ouro. A povoação de Brumado tem suas casas, sendo a principal a que pertenceu a Sebastião Pena, avô do deputado [Afonso Pena]. Aí parou meu pai. Disse-me o deputado que havia na casa bonitas pinturas. Pouco adiante despediu-se ele (...). Desde que se começa a subir a Serra do Caraça, cresce a beleza da paisagem e do alto descobre-se vastíssimo horizonte e depois uma das mais belas cascatas que eu conheço que forma lençóis e tanques e corre em fundo vale, estreitando pelas montanhas. Nunca admirei lugar mais grandiosamente pitoresco. O caminho passa por cima da cascata que parece sumir-se de repente. Continuei como anteriormente por dentro da mata e por cima de pedras. Felizmente o belo luar sempre deixa ver o lugar por onde se anda mesmo debaixo das árvores, e, num lugar de grandes lagos, perigoso para liteira, alumiava a lua com todo o seu esplendor. O cruzeiro fulgurava em nossa frente e à esquerda Vênus faiscava quase sobre a montanha. Não posso descrever tanta beleza!

Por fim, dobrando a ponta do morro, aparece, de repente, o edifício do Caraça, iluminado e de que descem pela encosta duas longas filas de luzes. Altíssimos rochedos em anfiteatro formavam o fundo do quadro. Era belíssimo, mas a lua e as estrelas elevavam-me os olhos a maior altura. Apeei-me e subi com as filas das luzes. Passei pela capela que constroem e cuja arquitetura agradou-me. Tomei meu meio-banho, depois de conversar um pouco com o Superior Clavelin e diversos professores, sobretudo com o nascido em Constantinopla de família grega [Padre Socrate Collaro]. Jantar às 7 ¾. Depois informei-me dos estudos com o Superior. Tenho muito o que fazer amanhã. Vi no caminho muitas flores e árvores de madeira de lei como tatajiba e óleo vermelho. 

12 (terça-feira) Acordei às 6h. fui tomar banho no rio. De volta admirei as montanhas por detrás da casa entre as quais a chamada Carapuça. Esqueci-me de falar ontem da bonita aldeola do Sumidouro antes de subir a serra. (...) O nome de Caraça provém ou da forma de caraça de uma das montanhas ou de um português que morou perto da serra. Assim ouvi ao padre Clavelin. Referiu-me ele que se supunha que Fr. Lourenço, terceiro de S. Francisco, e fundador do Caraça, pertencia à família Távora e por isso fugira para o Brasil. O capitão-geral de Minas Bernardo José de Lorena tratava-o com muita estima e deixou-lhe sua baixela. Acharam o testamento de Fr. Lourenço que parece desmentir a legenda dos Távoras. Fr. Lourenço comprou a primeira terra a faiscadores, doou-a a D. João 6º que mandou vir Fr. Leandro e Viçoso a quem deu a terra com o princípio de edificação da capela que se constrói no lugar da antiga construída por Fr. Lourenço. 6 janelas de cada lado – que fizera Fr. Lourenço. Depois houve uma licença de meu pai para adquirirem mais terra e enfim há pelo menos uma que possui a congregação sob nome de outrem. Respondi a Clavelin que era preciso regularizar a situação. (...) Na saleta onde escrevo há bons livros pertencentes ao padre Clavelin, ou padre Sípolis, alguns de história natural. São quase 8h e vou para a missa que disse Clavelin no refeitório anterior ao atual. A casa tem um pequeno pátio com algumas flores, fonte e feto arborescente. Estive na biblioteca onde achei bons livros e edições antigas chamando minha atenção a da Crônica de Eusébio de 1483. Veneza, impressor Arnoldt Augustensis. Há aí uma pequena coleção de minerais quase todos de Minas.
Tela pintada a pedido de Dom Pedro II por George Grimm - 1885
Altura do Caraça sobre o nível do mar 1300m pelo ipsômetro de Gorceix. Aqui dizem que são 1600. O maior frio foi já de + 4º c. e o calor de 23 a 25. Depois fui para as aulas. Comecei pela de direito canônico. Tive necessidade de protestar contra o modo porque o professor Chanavaz combatia o direito do placet. Depois ele estranhou que um monarca católico protestasse contra a doutrina e eu tive de dizer que talvez fosse mais católico do que ele e que era tolerante quando ele se mostrava intolerante. Expliquei sempre ao padre Clavelin, que parece-me excelente pessoa, como eu ressalvava o direito unicamente contra abusos de autoridade eclesiástica que não deviam ficar dependentes da única apreciação daquela. Assisti a todas as classes onde gostei em geral do modo porque os estudantes respondiam. Desagradando-me de álgebra e aritmética. Os professores a meu pedido chamavam os mais adiantados. O filho do Peixoto de Sousa de Caeté não traduziu e regeu mal Justinus. Enquanto jantavam fui ver a oficina do padre Boa Vida que está fora missionando. Admirei aí o seu trabalho de órgão. A madeira preta das teclas é belíssima. Visitei outras partes do estabelecimento. As interrogações nas classes terminaram às 4 ¾. Jantar. Subida ao pequeno morro de pedra do calvário de onde a vista era belíssima, sobretudo do lado da montanha da Carapuça com matizes róseos e violáceos do pôr do sol. Olhei bem para todas as montanhas. Que cercam o edifício. Ontem mostraram-me o pau de jacarandá a que se arrimava o irmão Lourenço e não Fr. quando St. Hilaire o viu aqui. Fui depois por um caramanchão onde está o chamado Quiosque até a represa de água em que se espelhava a lua. A noite está belíssima. O edifício para maior largueza dos alunos carece ainda de bastante obras. Tem gasto já bastante com a igreja que ficará muito elegante. Vi muito bem feitos capitéis e socos de pedras daqui (...). Avistei do Calvário a horta muito viçosa. Tem bois para carreto e 300 para corte. Compram o milho agora por 1 a 2$000 o alqueire mas já chegou a 4, o feijão a 7 ou 8 o saco. O carreto é necessariamente caro. Voltei de meu passeio por dentro da cozinha, que não é má menos o fogão que não é econômico. Visitei a farmácia dirigida por um padre. Tem pequena enfermaria perto de cada dormitório e quartos para doentes graves. O médico Dr. Figueiredo vem de 15 em 15 dias quando não seja chamado para qualquer caso extraordinário e grave. (...) As chuvas vêm do lado do N.O. Logo há serão literário. (...) Reuniram-se os professores e os estudantes na Capela que se constrói iluminada com velas em lustres de papel. O espetáculo era muito belo. Dirigiram-me discursos em francês Clavelin; latim e grego o grego de Constantinopla, professor de história e geografia; hebraico o padre Lacoste; espanhol um empregado da casa ex-oficial de cavalaria espanhol; inglês o professor de inglês. Cantaram uns versos franceses antes de oferecerem um ramo com os versos acompanhados de flores pintadas pelo professor de desenho à imperatriz. Tocou a banda dos alunos que é sofrível. São mais de 9h e vou deitar-me, que saio amanhã logo que clarear. Ia me esquecendo dizer que na volta da represa vi araucárias, e disse-me Clavelin que no tempo da visita de meu pai ainda existia uma alameda delas plantadas pelo irmão Lourenço.


13 (4ª fª) Desci a pé a ladeira íngreme e mal calçada às 5h20’. Montei a cavalo às 5 ½. A cascata e a vista belíssimas. Tomei à direita. Chácara da Congregação onde há vinha – bebi do vinho ontem – não me agradou – onde mora o irmão Freitas da congregação.  Foi ele que dirigiu a abertura deste novo caminho. No tempo de meu pai passava mais à direita e por um lugar chamado Varanda de Pilatos. No estabelecimento também mora um antigo professor Manuel Ferreira que ensinou latim igualmente em Congonhas. Foram discípulos dele o Lima Duarte, e Afonso Pena. Vim conversando com ele sobre latim pouco depois de sairmos ambos de S. João do Morro Grande. Chegada a Catas Altas às 9 ½. Freguesias de bastantes casas, bonita igreja, cujas torres têm remate um pouco extravagante e muito bem situada com a pitoresca serra do Caraça defronte para o ocidente, a qual torneamos.

2 comentários:

  1. Homem muito sábio e preparado que foi traiçoeiramente 'apunhalado' no trágico 15 de novembro de 1889.

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    1. Nem me lembre caríssimo Eustáquio. Aliás, a família imperial brasileira é atacada até hoje de forma covarde.

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