quinta-feira, 11 de julho de 2013

Luzia Silva Soares e a reação senhorial

A história desta suposta feiticeira foi retalhada em muitos interrogatórios, quase todos sob tortura, e recosturada em uma narrativa única em Lisboa nos cárceres da Inquisição. Nasceu em Olinda ao final do século XVII e pertencia ao senhor de engenho João Soares. Como tantos outros cativos do século XVIII, acabou transferindo-se do nordeste açucareiro para a região mineradora passando a pertencer ao contratador Domingos Rodrigues de Carvalho e sua esposa Maria Josefa. Segundo a própria escrava era tratada com carinho por seus senhores até que conflitos desencadearam uma série de denúncias contra ela.

Sua senhora Maria Josefa estava padecendo de um mal estar súbito e nada a fazia melhorar. Além disso, a bem pouco tempo, perdera uma criança poucos dias após o nascimento. Chamaram então o adivinho Francisco Ferreira para sanar os problemas. Este diagnosticou que a senhora sofria de malefícios e acusou prontamente Maria Silva Soares como feiticeira. Segundo a escrava, a acusação feita pelo adivinho originou-se de uma mágoa que este alimentava por ela por negar-se ceder aos seus desejos amorosos.

Falsa ou não, a acusação caiu como uma luva. Explicava não só as mazelas sofridas por Maria Josefa, como também solucionavam a mortandade de escravos do plantel senhorial, a perda da criança e a baixa produtividade das minas.  Por conta própria os senhores prenderam e torturaram Maria Silva Soares de forma atroz e cruel. Amarraram-na em uma escada colocado fogo em seus pés, aqueciam um tenaz nas chamas até que ficasse vermelho aplicando-o na pele da escrava deixando-a coberta de chagas, costuram-lhe a língua com uma agulha, pingavam-lhe cera quente em sua genitália, atavam-na ao tronco e mandavam os negros da fazenda açoita-la com varas deixando-a ao sol coberta de sangue sendo mordida por moscas. Ao final dessas torturas a escrava estava manca, repleta de escoriações, com ossos quebrados e cega do olho esquerdo.

Todos esses elementos, presentes no depoimento de Luzia Silva, mostram, por um lado, como a feitiçaria e o sobrenatural estavam enraizados no cotidiano da colônia em suas múltiplas formas e, por outro, como o medo senhorial poderia hipertrofiar a capacidade mágica dos escravos. Fazendo-se valer da autoridade do cativeiro, do parentesco com membros do clero e da amizade e colaboração de um importante familiar do Santo Ofício os senhores projetaram seus medos, torturaram barbaramente a acusada e, por fim, utilizaram-se da máquina inquisitorial para livrar-se de vez da suposta feiticeira.

"Misericordia et justitia", em tese, eram dois princípios basilares do Santo Ofício português. Embora raramente fizesse uso deles, neste caso, a Santa Inquisição não só absolveu as supostas heresias cometidas por Luzia da Silva Soares como também concedeu-lhe liberdade e alforria.



A história desses cativos feiticeiros não limita-se, evidentemente, à relação senhor/escravo. Suas habilidades despertavam interesse em boa parte da população das minas entrelaçando relações com diversos extratos da população. É necessário ressaltar que essa trama poderia envolver desde simples forros até os mais ricos comerciantes e senhores de lavras.

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